Desvenda a vida
- Põe esta venda nos olhos, quero levar-te a um sítio especial. Mas não poderás saber o caminho pois é um lugar secreto…
- Ó senhor Pedro, não achas que estás a exagerar? – retorquiu a Maria deixando escapar nos contornos da face o seu ar curioso.
- Vais ver que não. Até lá chegarmos vou contar-te uma história e perceberás o porquê deste nosso passeio.
- Quando eu era pequenino a minha avó adorava passear comigo. E eu amava ir com ela pelo meio do pinhal com a Judi, o pastor alemão da família, a apanhar pinhas, malmequeres, rosmaninho, alecrim…
- Lavanda! Adoro esse cheirinho…
- Sim, lavanda também se apanhava mas era mais raro. Levávamos sempre o saco de serapilheira que enchíamos com caruma e lenha para a fogueira e as pinhas eram o entretém de talvez duas horas, a abri-las à procura de pinhões.
- Aqueles colares que compramos no verão às senhoras da praça?
- Sim filha, esses. Como vês, não seria necessário comprá-los porque a natureza dá-nos os pinhões. Bastava ser paciente e procurar.
- Mas dá muito trabalho!... Os da senhora são só pagar e comer! E além disso em Lisboa não há pinheiros!...
- Pois é, tens toda a razão. Mas ia eu a dizer… – e a Maria interrompe-o.
- …que iam ao pinhal buscar a lenha… Ó pai, já contaste essa história tantas vezes! Já sei a história de cor.
- Eu sei, porém hoje gostava que me ouvisses com mais atenção.
E quarenta minutos se passaram desde que Pedro e a filha começaram a caminhar por traçados irregulares. As folhas secas a estalar com as pisadas e o perfume das árvores já os acompanhavam há uns largos metros quando a Maria, adolescente irrequieta, começou a dar mostras da sua impaciência:
- Mas pai, vais-me levar onde? Já estou cansada de ir com os olhos vendados! Cheira bem, onde estamos? Quero ver!...
- Mais um bocado, filha. Estamos a chegar. A um sítio onde sei que qualquer pessoa poderia ser feliz pois aqui só há paz. Aqui não funcionará o teu telemóvel, e o sistema de orientação do carro não detecta estes caminhos. Aqui não há câmaras nem Internet. Não há barulho nem poluição, logo não há carros nem motas. Não há esgotos porque não vivem aqui pessoas. É um lugar puro, virgem e por explorar. Maria, princesa, o pai trouxe-te aqui hoje para que saibas que lugar é este, para que saibas que a beleza existe e a paz acontece. A vida não é só feita de prédios, de cinema, bares, carro e viajar de avião. Não filha, viver tem também esta vertente da preocupação com o sítio onde vivemos. Porque nem tudo na vida é triste e cinzento como a solidão de Lisboa, a palavra tristeza não faz sentido neste lugar. Tira a venda e deixa-te embalar.